O desejo de poder e o pecado do racismo

Por Morgana Boostel, Secretária de Engajamento Missionário da ABUB

Desde o Éden, o desejo de poder e de dominação afasta o homem de Deus e transforma (para pior) as relações que estabelecemos com o outro, com a criação e com o próprio Deus. O desejo de poder passou a dizer que alguns são dignos de vida e outros dignos de morte. Para consertar tudo isso, Deus nos promete o salvador, Jesus, nossa promessa de restauração!

É na VIDA DE JESUS que temos o maior exemplo e modelo de que o caminho pode e deve ser diferente. Ele é aquele que ama, que dá voz aos sem voz, que dá força ao fraco e rompe com todas as expectativas de um modelo de rei. Um rei servo, um Deus que se fez fraco. Mas a iniquidade humana e o desejo de manutenção do poder dos poderosos de seu tempo o levou a morte. Ainda que o propósito eterno da morte de Jesus fosse a expiação de nossos pecados, em sua história ele foi condenado por desafiar as estruturas, tanto as religiosas quanto as políticas. O tempo pascal que vivemos nestes dias nos ajuda a recordar qual é o limite do desejo de dominação humana, a morte, MORTE DE JESUS. Mas a morte não venceu! Na ressurreição Jesus inaugura seu reino de paz e justiça, no qual a iniquidade não mais existirá e a base das relações será o amor que vem do próprio Deus.

Vivemos um tempo em que o reino de Deus já está estabelecido, mas ainda não completo. Recebemos a tarefa missional de anunciar Jesus até que ele volte e ele mesmo nos orienta a andar como ele andou e ensinar isso aos demais. Nosso papel é sinalizar o reino, engajando em ações de justiça e cuidado integral daqueles que estão ao nosso redor. A volta de Jesus é a promessa de que todas as coisas serão reconciliadas, e que poderemos viver mais uma vez em harmonia. A morte não mais existirá! A injustiça não mais existirá! A desigualdade será aniquilada.

Em nosso tempo a busca pela manutenção do poder (econômico e social) ainda tem gerado muitas mortes. No Brasil os “dignos de morte” têm cor. São os negros as maiores vítimas da violência e os que sofrem mais com a pobreza. Eles também têm pouca representatividade nas esferas políticas e têm renda média muito menor que a dos brancos. Todo esse desejo e busca pelo poder, esse acirramento de desigualdades e a violência gerada são pecados, que continuam nos afastando de Deus, a esse pecado damos o nome de RACISMO. E ele gera contornos tristes de se ver.

Negros no Brasil são todos os pardos e pretos. De acordo com o IBGE os negros correspondem a 54% da população brasileira. Mas é visível a desigualdade entre negros e brancos se focarmos por diversos ângulos diferentes.

POBREZA: Dentre os mais ricos, 8 em cada 10 pessoas são brancas. Do outro lado, no segmento dos mais pobres, 3 em cada 4 pessoas são negras.

VIOLÊNCIA: A juventude negra é a maior vítima de homicídios em nosso país. Segundo a Anistia Internacional, dos 56 mil homicídios que ocorrem por ano no Brasil, mais da metade são entre os jovens. E dos que morrem, 77% são negros. Esses números de mortes ultrapassa os relacionados a territórios em guerra.

ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: Nos últimos anos aumentou o número de jovens que acessam o ensino superior. A análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, apesar de ter aumentado de 27% para 51% a frequência de estudantes entre 18 e 24 anos no ensino superior, essa expansão educacional apresenta disparidades, principalmente se levado em conta o critério racial. De acordo com o IBGE, o percentual de negros no ensino superior passou de 10,2% em 2001 para 35,8% em 2011.

As políticas afirmativas de acesso ao ensino superior possibilitaram um crescimento do número de negros na universidade. Dados do MEC informam que os negros são maioria nos financiamentos do FIES (50,07%) e nas bolsas do Prouni (52,10%). Entre as instituições públicas federais (de acordo com um relatório da ANDIFES), de 2003 para 2014 o percentual de estudantes pretos nas universidades federais passou de 5,9% para 9,8%. Entre os alunos que se declaram pardos, o avanço foi maior, de 28,3% para 37,7%. Em movimento inverso, o percentual de alunos que se dizem brancos nas salas de aula dessas instituições de ensino recuou de 59,4%, em 2003, para 45,6% em 2014.

Esse aumento de estudantes negros nas universidades é visível dentro da Aliança Bíblia Universitária do Brasil. Refletindo esse universo que nos constitui e é nosso local de missão, a universidade, mudamos nossa cara. Ao olhar nossas famosas fotos oficiais podemos observar o quanto elas empreteceram! Que benção!

O tema racismo é assunto espinhoso para a sociedade, torna-se ainda mais árido entre os cristãos, que muitas vezes insistem em negá-lo. Em nosso país o protestantismo pouco tem feito em relação ao resgate social dos negros, pelo menos no caráter mais institucional. Dos missionários europeus e norte-americanos que aqui desembarcaram no século 19 trazendo a semente da fé evangélica, quase todos calaram a boca diante da escravidão. Isso quando não eram eles próprios donos de escravos. Mas foi entre os negros e mais pobres que se desenvolveu o pentecostalismo, raiz que carrega tantos elementos da cultura afro, mas que talvez por isso mesmo sofre tanto preconceito.

Incluir a agenda de combate ao racismo, desigualdade racial e extermínio das juventudes negras nas igrejas se torna mais que uma agenda importante, é imprescindível.

Esse assunto não é novidade na ABUB. Me recordo de ter escutado Alexandre Brasil, que foi secretário geral adjunto da ABUB até 2006, provocar muitas vezes os estudantes a questionar o quão branca é a universidade, nos chamava a atenção para pensarmos o modelo de cotas, as políticas de assistência estudantil e questionar as estruturas que reafirmavam esse padrão de desigualdade. Ainda me recordo de Pedro Grabois, que foi estudante da região Leste e representou a ABUB no Conjuve (Conselho Nacional de Juventude) em 2011, que sempre tinha em sua mochila cartilhas sobre cotas raciais e estimulou a produção de estudos bíblicos indutivos que refletissem sobre esse tema em nosso meio.

Depois disso houveram várias iniciativas. A região Nordeste começou a fazer intervenções sobre o tema em seus cursos de férias, as regiões Sul e Leste que também levaram o assunto para a grade de seus treinamentos. O tema chegou também aos encontros nacionais e passou a compor a agenda de formação do movimento. Essa agenda emergiu do próprio movimento!

Um de nossos princípios de missão é o protagonismo estudantil. Entendemos que são os estudantes que realizam a missão na universidade, e nossa estrutura se orienta para dar a eles o suporte necessário para o cumprimento de nossos objetivos. Assim sendo, as atividades formativas assumem papel de extrema relevância em nossa estrutura. Prezamos para que os nossos missionários possam fazer diferença onde estão e também onde estarão.

Percebemos assim a necessidade de ampliar ainda mais o escopo formativo deste tema, criando uma ferramenta e metodologia mais estruturados. A organização cristã evangélica Tearfund, parceira da ABUB de tantos anos, aceitou o desafio de nos ajudar a implementar esse projeto em 2017. O convite é para que todo o movimento se engaje de alguma maneira no combate ao racismo impregnado em nossas universidades, escolas, igrejas e toda a sociedade.

O projeto prevê a realização de oficinas e atividades integradoras em 12 dos estados em que mais morrem jovens negros, mostrando a face mais terrível desse pecado, a morte! Além disso, serão desenvolvidos materiais de formação e acompanhamento de algumas lideranças do movimento que tem desejo de ampliar essa frente de resistência onde estão inseridos!

Com essas iniciativas entendemos que ampliaremos não só a consciência da ABUB sobre a questão do racismo e extermínio de jovens negros, mas poderemos ser sinalizadores do Reino entre escolas, universidades e igrejas em todo o Brasil.

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