Texto da ABU Editora
Por Rui Lima*
Minha primeira leitura de John Stott foi em julho de 2012, exatamente um ano depois de seu falecimento. O carinho que vi nas redes sociais com a sua partida me mostrou que o autor não era apenas um homem de ideias, mas um bondoso cristão que havia cativado a muitos. Se pessoas que eu tanto admirava tinham tão boas palavras a respeito do reverendo anglicano, isso significava que a leitura a ser iniciada era de um autor especial. Essa primeira leitura foi de um clássico, especialmente para nós que fomos (ou somos) participantes da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB): Crer é também pensar.
A ABUB foi o motivo central para aquela leitura. Nas semanas seguintes eu participaria de um evento regional em que a leitura desse título era pré-requisito. Na época, eu era um iniciante na literatura cristã e o livro de Stott foi como um grande abre-alas ao mundo da teologia e de uma reflexão mais aprofundada da fé. Um dia, na espera para ser atendido em uma repartição pública enquanto lia o livro, encontrei vários insights. Eu estava tão afetado com a leitura que alguém mais atento percebeu meu ânimo. Era um certo sentimento de descoberta: a minha espiritualidade não somente poderia perpassar pela minha mente, como deveria. A minha fé seria aprofundada e glorificaria a Deus quanto mais eu florescesse a capacidade intelectual. O curto livro foi, à época de recém-universitário, um importante descobrimento de que a minha mente importa na vida espiritual.
Há alguns dias, conversando com uma estudante, líder abeuense, fiquei contente ao ouvir o relato de como ela se viu “como outra pessoa” após as leituras que tinha feito, também antes de um evento regional da ABUB. Um dos livros? O mesmo Crer é também pensar.
Uma das melhores coisas da boa literatura é que ela permanece impactando ao longo do tempo. Um exemplo, na minha realidade, é o Desafios da Liderança Cristã, livro fruto de uma série de quatro palestras de Stott em 1985, no Equador, para líderes da sub-região da América Latina da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES, na sigla em inglês, a qual a ABUB é filiada). Alguns desafios mudaram desde a conferência da década de 80, mas, sem dúvida, muita coisa continua nos confrontando no serviço ministerial da missão estudantil.
Desde que iniciei meu trabalho como assessor na região Norte da ABUB, em 2020, já utilizei esse livro pessoalmente e com estudantes líderes em ao menos dois encontros de liderança. A necessidade de perseverar sob pressão, o problema da autodisciplina ou de como ser um líder quando se é relativamente jovem, entre outras coisas, permanecem no nosso dia a dia. Há um tempo gravei um podcast sobre o livro. É interessante pensar que podcast’s sequer existiam quando Stott deu esses conselhos, mas a sabedoria permanece útil para nós hoje, geração tão conectada à internet.
Ao escrever sobre ouvir o passado e o presente, lembrei de outro clássico de Stott: Ouça o Espírito, Ouça o Mundo. Com certeza, um dos livros mais marcantes na vida de muitos. Ao perguntar sobre o que achou do livro a uma estudante, a quem eu havia indicado a leitura, ela respondeu algo que chamou minha atenção: “Gostei muito porque, mesmo não sendo muito recente, é super contemporâneo, é muito atemporal”, falando sobre as questões levantadas pelo autor como o anti-intelectualismo e a visão, missão e o papel da igreja na busca de fazer diferença de maneira propositiva.
Concordo que essa conexão que Stott tem com a realidade, de não viver alheio, é uma das grandes qualidades nos escritos do “tío Juan” – como ouvimos as pessoas latino-americanas que conviveram com Stott se referenciarem a ele. Um exemplo claro disso é o capítulo sobre cuidado com a criação, na sua última obra, O Discípulo Radical, tema tão relevante e de impacto especial nas novas gerações.
A capacidade de permanecer dos escritos de Stott se deve a sua capacidade de ouvir o que as pessoas ao redor do mundo tinham a dizer. Uma escuta real, empática. E depois de refletir, ter algo a falar. Creio que isso lhe deu uma boa capacidade de, mesmo sendo alguém com muito conhecimento e experiência, dialogar com os diferentes pontos de vista, sem perder as suas raízes de um cristianismo equilibrado. Que essa prática seja cada vez mais presente na igreja atual.
*Rui Lima é missionário da Aliança Bíblica Universitária do Brasil para a região Norte desde 2020. Formado em ministério pastoral (STBT), em teologia (FAEPI), medicina veterinária (UFPI) e mestrando em desenvolvimento e meio ambiente (UFPI).