“Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’.” – Mateus 25:34-36 (NVI)
Você acha que os muros da escola e dos campi universitários delimitam o trabalho da missão estudantil? Flávia Furriel, da ABU Ribeirão Preto (SP), e Gabriela Gomes, da ABU São Luís (MA), acreditam que não. “O nosso maior campo missionário é dentro da universidade, mas eu acredito que a nossa missão e o nosso propósito não fica só nisso”, diz Flávia Furriel. Para Gabriela, “como estudantes compreendemos que podemos e devemos atuar no ambiente acadêmico difundindo a Palavra de Deus, mas como cristãos em qualquer lugar que estejamos entendemos que o nosso chamado é ir por todo o mundo e pregar as boas novas”.
Os grupos locais dessas estudantes se envolveram em ações sociais para fora do mundo estudantil e vivenciaram nas iniciativas uma faceta importante da missão. Flávia conta que o principal objetivo era alcançar as pessoas de fora da universidade, mas a atividade também ecoa no contexto estudantil:
“O fato de estarmos lá, servindo de todo o coração, em amor e por amor, acaba tocando no coração de quem é universitário também. [Para] quem tem um coração missionário, a missão não tem de parar em um lugar, na faculdade, no trabalho. Mas deve ser uma verdade em qualquer lugar que a pessoa vá, que ela olhe ao redor e veja que o trabalho precisa ser contínuo.”
É verdade que o principal foco da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) é levar a Cristo às escolas e universidades, e entre profissionais. Para além da proclamação, sempre encorajamos os estudantes a servirem o universo estudantil. Mas ao capacitar estes jovens a viver integralmente sua fé em Cristo, esse chamado ao serviço se estende para fora das escolas e dos campi. Quem nos ajuda a entender como isso faz parte da visão da ABUB é Morgana Boostel, secretária de engajamento missionário da ABUB:
“Quando seguimos a Cristo somos desafiados a amar o mundo ao nosso redor, seguir os passos de Cristo e estar onde a necessidade está. Se vemos uma necessidade no mundo e não nos importamos com ela, estamos pecando pela negligência. A visão da ABUB é ser uma comunidade de discípulos que impacte todos os lugares em que estiver. Para impactar é preciso transformar! E para transformar é preciso servir. Um coração servo se preocupa, se incomoda e se move em direção ao outro e à transformação desse contexto, do qual a escola e a universidade faz parte.”
Relatos de serviço: aquecendo as ruas
Flávia Furriel, da ABU Ribeirão Preto (SP), nos contou sobre como o grupo local realizou uma campanha do agasalho em conjunto com o Centro Voluntariado Universitário (CVU), entidade estudantil sem fins lucrativos dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP) da cidade. A iniciativa deles mostra como Deus usa oportunidades de serviço para também serem testemunhas.
“Nós, cristãos, vemos que a faculdade é nosso campo missionário, e manter essa conexão com o CVU também era uma forma de agir em missão. Muitas pessoas dentro do CVU não conhecem a Deus ainda. E dos dois lados a conexão foi muito legal, eles se uniram mesmo fazendo cursos diferentes e tendo visões e posicionamentos diferentes”, conta Flávia.
A campanha do agasalho e a entrega destes junto com um café da manhã para moradores de rua foi em agosto de 2018. Para Flávia, a ação juntou os dois grupos de forma que ambos pudessem atuar da melhor forma: “O foco do CVU era distribuir agasalho, proporcionar café da manhã. Só que o intuito da ABU era servir, evangelizar e também orar pelos moradores de rua, ser realmente luz, amor e de alguma forma esperança na vida deles”.
O estudante Guilherme Turato, um dos que fez os primeiros contatos com o CVU, explicou um pouco mais: “É claro para nós que a falta de roupa e de comida não são a causa [principal] do problema deles, e sim o isolamento social. Assim, buscamos sempre conversar e conhecer os moradores de rua em vez de apenas entregar roupas e comida”. Guilherme aponta que a parceria partiu do incômodo de alguns abeuenses em perceber que haviam poucas demonstrações concretas do amor de Cristo em suas atividades, mas que isso também levou à evangelização: “Podíamos, em meio à própria ação, compartilhar sobre as bases de nossa fé, de como e por que Cristo nos incomoda a servir a sociedade“.
Flávia não pôde participar dessa ação, mas de outra semelhante e que mais lhe marcou foi o fato de os voluntários não cristãos respeitarem muito a fé. “Várias vezes eles falaram assim: ‘Você quer orar? Então vamos aqui dar as mãos agora e orar’”. Ela também se impactou com a gratidão dos moradores de rua. “Encontrávamos com eles e eles estavam numa situação em que não tinham nada. No que demonstrávamos já um carinho, mostrando que tínhamos um lanche e um tempo para eles, eles ficavam muito emocionados e muito gratos e falavam de Deus de uma forma que me tocou muito. Era algo muito singelo, muito humilde, realmente vindo direto do coração.”
Outra das abeuenses que iniciou o contato com o CVU foi Raquel, que ficou impactada com como Deus providenciou tudo, desde roupa e comida até mãos para a obra. “O que mais me preocupou foi, de início, a não adesão do pessoal do nosso grupo local da ABU Ribeirão Preto”, conta Raquel, “mas no fim deu tudo certo e pessoas de outros grupos locais tiveram a oportunidade de estar conosco.”
Raquel também se impactou com a reação dos moradores: “Foi incrível ver a alegria de Jesus em muitos deles! Tive mais contato com uma moça, Joice, e a fé dela foi algo absurdo para mim. O carinho dela por nós me fez refletir muito sobre minhas ações no dia a dia, ao passar por moradores de rua. Assim como eu, eles são criação de um mesmo Pai. Mas, por ter receios, eu não me atentava muito a eles. Sempre me preocupei com eles em questão de comida, frio e roupa, mas infelizmente nunca parei para pensar neles como alguém para eu sentar e conversar sobre o quão maravilhoso Deus é”.
Raquel conta que, por ter já enfrentado dificuldades na vida, sempre se preocupou com o próximo, mas a ação a fez ansiar em dedicar-se mais e já. A iniciativa a deixou “contemplada com a graça e a misericórdia de Deus”.
Relatos de serviço: cuidando das estruturas
É possível conectar o que aprendemos nas cadeiras da escola e universidade com a realidade, em serviço e missão? O pessoal da ABU São Luís (MA) acredita que sim e viveu isso ao apoiar um projeto social. Gabriela Gomes, estudante da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), nos contou como foi a participação do grupo no projeto Pinta Casa, da Fundação Projeto Casa. Esta organização, de acordo com Gabriela, “atua com ações que promovem lazer, aprendizado e evangelismo em alguns bairros carentes de São Luís”. Ela explica que o Pinta Casa nasceu em 2013 com o intuito de pintar as palafitas do bairro Jaracaty, e atualmente alcança três bairros com o apoio de 500 voluntários.
O bairro Jaracaty é precário e composto de palafitas sobre o mangue. A população não tem acesso à saúde nem ao saneamento básico. “Uma moradora nos contou que na época de chuva é quando ela mais tem medo, porque a maré enche e às vezes invade as casas, e elas podem não ter estrutura para aguentar as chuvas fortes”, disse Gabriela. “Apesar da situação, eles levam a vida com bom humor, nos recebem muito bem. Cada vida, cada história. Faz olharmos diferente para a vida que levamos em nossas casas, ainda que simples, mas de alvenaria.”
A parceria entre o grupo local e o projeto vem de 2014. Em 2018, quando ocorreu a última participação, cerca de 10 abeuenses estiveram presentes, inclusive pessoas já formadas.
“O que mais me marcou foi a simplicidade do nosso ato, de dar umas pinceladas e misturar umas tintas, impactar de forma tão relevante a vida dos moradores que têm suas casas pintadas. (…) Cristo nos chama para servir, e o Pinta Casa é uma bela oportunidade que temos para isso. Louvamos ao Senhor por essa oportunidade e pelas vidas que nos foram apresentadas em cada lar que estivemos.”
Mas como este serviço se conecta com a vida universitária? Gabriela citou dois exemplos:
“Ano passado começou uma iniciativa chamada ‘Pontes que ligam’, com o objetivo de revitalizar as vias de acesso mais precárias. Participou um estudante da ABU, de engenharia civil. Ele pode ver que a realidade é muitas vezes bem distante da teoria. Ali ele tem a oportunidade de saber o preço de uma tábua de madeira, qual é a melhor tábua para ser colocada naquele local que vai suportar a maré, as chuvas, o peso das pessoas que transitam, a estrutura que as palafitas têm etc. Eu, como estudante de psicologia, pude sensibilizar minha escuta diante das histórias, ouvir o que eles necessitam, como é viver ali, como eu posso futuramente ser uma agente de mudança.”
Relatos de serviço: também dentro dos muros
Morgana Boostel ressalta que a universidade e a escola não são estrangeiros ao contexto social do nosso país, então pode haver oportunidades de serviço que, embora aparentam ser para fora do mundo estudantil, estão ainda dentro dele. Algumas ações sociais da ABU Rondonópolis (MT) demonstram isso.
A abeuense Cintia Sanches, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), nos contou sobre uma dessas iniciativas, a campanha “Ajude uma mãe universitária”:
“Esta ação iniciou quando uma das participantes das nossas reuniões engravidou e teve seu filho como mãe solteira. Nós vimos que ela precisaria de fraldas e recursos para comprar algumas coisas para o bebê, então organizamos a campanha e daí as pessoas doavam. Teve bastante repercussão, e conseguimos arrecadar uma boa quantidade.”
Para a estudante, atividades como esta surgem do momento em que o grupo olha ao redor e vê as necessidades dos jovens universitários. “Eles possuem vários tipos de carência, desde carência de oração ou amizade, até questões econômicas. Vemos algo que é necessário, e a ABU tem um grande potencial para ajudar muitas pessoas, já que muitos vão à nossa reunião e conseguimos alcançar uma boa galera”, explica Cintia.
Foram tantas pessoas dispostas a ajudar que Cintia ficou comovida. “Algumas pessoas faziam propósitos lindos com Deus [como compromisso para doar], e Deus respondia de várias outras formas. Quando a mãe recebeu, ficou mega feliz e muito agradecida. A participação de todo muito, ver tantas pessoas boas querendo fazer o bem pelo outro, foi o que mais me marcou”.
Na UFMT muitos estudantes não são da cidade e estão longe de suas famílias, e o grupo da ABU acaba fazendo um papel importante ao cobrir esta lacuna por meio de sua unidade: eles se consideram uma família e já puderam ajudar outros jovens, seja com comida ou até dinheiro para visitarem os pais nas férias.
“É muito lindo ver que todo mundo está disposto a dar o máximo de si para ver o outro bem“, resume Cintia.