Quais vitórias são as nossas?

Por Diego Ferreira
Estudante de História – ABU Niterói (RJ)

 

Nos últimos meses cerca de 12 instituições públicas brasileiras de ensino superior estiveram ou ainda estão em situações de greve e/ou passando por algum tipo de intervenção a suas rotinas cotidianas (passeatas, operação tartaruga, atos públicos, reitorias ocupadas, restaurantes universitários (bandejões) fechados e etc). Isso para não falar de outros países como a Espanha e o Chile que enfrentam hoje questões semelhantes no setor da educação.

Tais instituições, de modo geral, estão diante de vários problemas e a eles se somam e se convergem uma problemática superestrutural: a crise econômica mundial. Afetados, os governos nacionais preferem diminuir os gastos públicos cortando verbas dos setores “supérfluos”, dentre eles a educação. Deste modo surge aquela velha relação entre ação e reação: o governo age e os setores da sociedade prejudicados justificadamente reagem como podem, ou seja, no que tange a UFS, a UFMT, a IFBA, a UFSM, a UFAM, a UFRGS, a UEM, a UFSC, a UFES, a UERJ, a UFPA e até fim do mês passado a minha querida UFF têm enfrentado carências, principalmente as da estrutura em seus campi: faltam prédios, salas de aula, bandejão, professores, reajustes salariais. A lista de carências é grande e eu nem comecei a falar do REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) um programa do Governo Federal e Ministério da Educação, que tem se mostrado um mero acumulador de alunos sem ampliação da estrutura da universidade. No entanto, sei que este assunto você já ouviu em algum lugar.

– Tá, mas o que isso tudo tem a ver com a ABU?

O querido poeta Mário Quintana tem uma frase lapidar: “- O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso”.  Faço deste texto um desabafo. Tenho tido muitos problemas para compreender esse “problema pior”, apresentado por Quintana, sobretudo quando tento me achegar a Deus através de “louvores” que negam a realidade parecendo ser esse o caminho da morada do pai.

Neste momento um trecho de um livro chamado “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres” de Clarice Lispector me parece bem mais profético, em um trecho ela diz:

“Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceitado o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. (…) Não nos temos entregue a nós mesmos(…)

Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.(…) Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia”.

Profético porque creio que esse trecho me arranca a alma do corpo e a leva para Deus. Me desperta em minha realidade para além das coisas que converso com meu grupo da ABU, das leituras, coisas e pessoas que tive contato durante minha vida de universitário abuense, que me fizeram mais humanos do que imaginava que seria possível, um humano voltado para Cristo.

Profético porque me desperta para como estamos, enquanto  organização brasileira, talvez revelando essa dualidade de estar com tal intensidade nas universidades do Brasil afora e mesmo assim se posicionando tão pouco. Cantando os momentos bons de ter estudado em cursos de férias Amós e a questão da JUSTIÇA e ainda assim continuarmos tão alheios.

Não gostaria de fazer desse texto um simples chamamento ao “engrossar das fileiras dos militantes” nos espaços que temos para isso na universidade, institucionalizados ou não. Sei que a realidade é complexa, a falta de tempo nos assalta sempre, os prazos, as dinâmicas de vida, nossos gostos, pessoas, nossos conhecimentos, – nossos… nossos… nosso, meu.

Peço para que nosso movimento estudantil evangélico brasileiro reaja: de suas instâncias nacionais, regionais, locais e individuais, de cada estudante:. – Por favor, reajam a esse texto de algum modo!

A Assembleia Mundial da CIEE teve o tema “Senhor do Universo, Senhor da Universidade”. O Curso de Férias teve o tema “Justiça Seja Feita”, temáticas relevantes, frases impactantes. Eventos bem sucedidos e devemos estar felizes por isso.

Certa vez tive o privilégio de conseguir uma dedicatória de René Padilla em um livro seu, ele escreveu: “que a palavra de Deus seja carne em seus ossos”, essa é a vitória que a cada dia eu quero alcançar.

Mas e ai, o que nós consideramos A Vitória Nossa de Cada Dia?

Dietrich Bonhoffer, pastor e teólogo luterano alemão que lutou de várias formas contra o regime nazista, sempre aludiu a necessidade de o cristão ter em uma mão a bílbia e em outra o jornal do dia.

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