Carta aberta à Igreja brasileira – “A idolatria ao consumismo”

Amada Igreja de Cristo,

Que a graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo esteja conosco e que esta carta vos encontre em paz.

De 13 de janeiro a 1º de fevereiro de 2013, estudantes universitários, secundaristas e profissionais de diversas regiões do Brasil, além de irmãos de alguns outros países, encontraram-se na cidade de Guarulhos-SP para participarem de um curso de formação de liderança cristã chamado Instituto de Preparação de Líderes (IPL), realizado pela Aliança Bíblica Universitária do Brasil. O tema do evento foi “O Rei Servo”, baseado em Marcos 10. 45, no qual Jesus afirma: “Pois próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Durante 20 dias estudamos todo o evangelho de Marcos, oramos juntos, tivemos muitos momentos de silêncio reflexivo, palestras, entretenimento, serviço e gozamos de bons momentos de comunhão. A partir dos estudos no livro de Marcos, refletindo sobre o estilo de vida que Cristo levou, sentimo-nos confrontados e motivados pelo Espírito Santo a compartilhar desse aprendizado. Por isso, decidimos redigir esta carta destinada a todos os cristãos do Brasil.

Nós, a Igreja de Cristo, podemos assegurar confiadamente que recebemos uma nova vida em Cristo Jesus. Todavia, diante da realidade dessa afirmativa, fomos impelidos a questionar: qual o estilo de vida coerente com essa nova vida que recebemos?, e chegamos à simples conclusão de que “se a vida é nova, o estilo de vida precisa ser novo também” (Viva a simplicidade, p. 21) , precisa ter características harmoniosas com a mensagem central do Evangelho, que é o chamado ao arrependimento integral (Marcos 1. 15) e à transformação do indivíduo na imagem de Cristo Jesus (2 Coríntios 3. 18), sendo discípulo seu. Assim, pudemos concluir que nosso estilo de vida muitas vezes nos tem levado a fechar os olhos para as injustiças existentes ao nosso redor, para as desigualdades e para o consumismo desenfreado, cujo domínio e ônus têm aprisionado e destruído muitas vidas.

Sensibilizados por isso, queremos aqui confessar o nosso pecado de idolatria ao consumismo e buscar trilhar o caminho do arrependimento. Pois, sem nos darmos conta desse mal, temos sido levados a tomar decisões para simplesmente satisfazermos o nosso desejo egoísta de consumir e ostentar – ostentação esta denunciada por Jesus de múltiplas maneiras (Mateus 6). Certamente o impacto do consumismo tem sido danoso em diversos âmbitos de nossa vida, na de pessoas “invisíveis” para nós e no meio ambiente. Além disso, essa prática viciosa tem influenciado nossas teologias, liturgias e práticas eclesiásticas de maneiras muito degenerativas. Porém, infelizmente, pouco se fala dessa nossa idolatria em nossas igrejas; por isso, esta confissão é uma forma de dar ouvidos à voz do Espírito que está nos convencendo de nosso pecado.

Precisamos perceber, urgentemente, que o ídolo do consumo tem nos cegado os olhos para o fato de que quase 1 bilhão de pessoas passam fome nas mais diversas periferias do mundo, inclusive em nosso país, enquanto ostentamos coleções de coisas supérfluas e não nos sentimos de forma alguma perturbados e constrangidos em Deus por isso. Será que Deus está satisfeito com essa iniquidade que se estabelece entre nós? Será que ele tem alguma queixa contra nós, podendo nos comparar a lobos roubadores? Será que ele não está nos contando a mesma ilustração direcionada aos hipócritas (escribas e fariseus): “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome expelimos demônios, e em teu nome fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade” (Mateus 7. 22, 23). Será que o Senhor não tem nenhuma queixa contra nosso avarento hábito de acumular bens (Mateus 6. 19), enquanto nossos irmãos secam de fome mundo afora? Não é obrigação nossa ter atitudes de misericórdia baseadas no amor ao próximo?

Em Jesus Cristo vemos o próprio Deus Todo Poderoso abandonando sua glória para habitar no meio de nós como servo dos homens (Marcos 10. 45), o qual se envolveu pessoalmente com pobres, pecadores (Marcos 2. 15-17), endemoninhados, discriminados, oprimidos, compadecendo-se da multidão faminta e assumindo a responsabilidade dos pecados de todos. Ele não escolheu a riqueza, o luxo e as regalias desse mundo, porém adotou um estilo de vida simples e, como cumprimento da vontade do próprio Pai (Mateus 2. 5-6), nasceu entre os pobres (2 Coríntios 8. 9a). A simplicidade dele não era apenas material, mas também espiritual. Ele não foi um ativista, como muitos desejam ser, no entanto, por vezes, parou para silenciar-se e ouvir o direcionamento de Deus.

Portanto, pecamos quando testemunhamos de nossas ações e não refletimos a pessoa de Jesus em nós. Pecamos quando preocupamo-nos demasiadamente com o sucesso, o número de membros e riquezas de nossas igrejas, mas pouco com a fidelidade bíblica de nossas doutrinas. De igual modo, pecamos quando enchemos nossos templos de pessoas, mas não nos preocupamos em fazer discípulos de Cristo. Agimos hipocritamente ao proclamarmos o evangelho, as Boas Novas do reino de Deus, a mensagem da reconciliação, porém, pouco vivemos como reconciliadores, cidadãos do reino de Deus, famintos de justiça, mansos, pobres de espírito. Falhamos quando vivemos alienados dos problemas de nossa sociedade tapando nossos ouvidos diante dos clamores de nosso povo e quando investimos mais em nossos templos do que em missões. Equivocamo-nos também quando falamos em missões apenas pensando em África, Ásia, nordeste brasileiro, etc., esquecendo-nos dos famigerados que nos cercam em nossas cidades. Por assim dizer, um dos nossos grandes erros é o fato de privilegiarmos programações para os próprios cristãos, ao invés de investirmos no serviço aos necessitados.

Sabemos que o problema da miséria no mundo não é a falta de alimentos ou recursos para todos, mas o desperdício e a desigualdade absurda na distribuição alimentar resultante da cobiça e avareza humana. Mas, como igreja, será que não temos alimentado tal desigualdade em vez de buscar repartir um pouco mais, sob a direção do Espirito Santo? Será que não estamos “usando” Deus para atender a desejos consumistas que na verdade nos consomem da real presença do Senhor e de uma vida de verdadeiros discípulos de Cristo? Precisamos urgentemente buscar desenvolver um estilo de vida simples, não nos deixando guiar por ideologias seculares, mas inspirados por Cristo e direcionados pelo seu Espírito. Para vivermos essa vida simples e proclamarmos com integridade o Evangelho de Cristo, precisamos ser libertos da cobiça e da avareza que nos assolam.

 

Chocados com essa triste e inegável realidade, rogamos ao Senhor que nos faça enxergar nossas concupiscências dos olhos (I João 2. 16) e nos guie pelo caminho do arrependimento e da justiça eterna, para assim podermos proclamar com inteireza: “Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;” (Mateus 6. 10). Amém!

Livros consultados para produção da carta, cuja leitura recomendamos à amada Igreja:

Comissão de Lausanne para evangelização mundial. Viva a simplicidade: compromisso evangélico com um estilo de vida simples (Série Lausanne 30 anos). São Paulo: Editora ABU/Visão Mundial, 2004.

Paul Freston. Nem monge, nem executivo: Jesus, um modelo de espiritualidade invertida. Viçosa: Editora Ultimato, 2011.

Richard Foster. A liberdade da simplicidade: encontrando harmonia num mundo complexo. São Paulo: Editora Vida, 2008.

Vinoth Ramachandra. A falência dos deuses: a idolatria moderna e a missão cristã. São Paulo: Editora ABU, 2000.

Versão bíblica utilizada:

Bíblia Sagrada: antigo e novo testamento. Almeida Revista e Atualizada (Almeida R.A). Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011.

Assinamos,

Ana Flávia Vilela – Londrina – Paraná

Ana Paula Vilela – Londrina – Paraná

Danila Cristiny – Garanhuns – Pernambuco

Dayene Helianthus – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro

Frederico Monfardini – Presidente Prudente – São Paulo

Gabryella Fernandes – Frutal – Minas Gerais

Gustavo Fitaroni – Vitória – Espírito Santo

Hellenilson Mota – Timon – Maranhão

Ítalo Reis – Natal – Rio Grande do Norte

Júlio Cesar Schvambach – Blumenau – Santa Catarina

Lucas Nascimento – Jequié – Bahia

Marília Teles Cavalcante – João Pessoa – Paraíba

Miriam Prescinca – Aracajú – Sergipe

Priscilla Lemos – Uberaba – Minas Gerais

Renan Porto – Uberaba – Minas Gerais

Roberta Nunes – Mariana – Minas Gerais

Vitor Salomão – Patos de Minas – Minas Gerais

Vitória Abreu – Blumenau – Santa Catarina

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