Fé Cristã e o Inverno Brasileiro

Por Raphael Freston, estudante de Ciências Sociais, participa da ABU São Paulo e também é diretor nacional adjunto de ABU.

 

“Deus coloca um pouco do seu amor em nós e é assim que nós amamos uns aos outros” C.S. Lewis

Às portas do inverno, quem diria que o calor viria das ruas!

Uma onda de manifestações irradiam pelo país expressando, por momentos, reivindicações concretas e em outros, uma insatisfação generalizada e difusa. Podemos inferir nitidamente que essas efervescências nas ruas das cidades brasileiras sejam fruto de sentimentos ambivalentes de injustiça e de esperança, de lamentações e de sonhos, de denúncia e de aplauso. Por outro lado, também há muito de indefinido nessa vivacidade espontânea – a pauta, a conquista, as futuras pautas, os efeitos culturais, sociais, políticos e econômicos, etc. Ou ainda, que esta vivacidade não seja tão espontânea assim, mas algo consistente e articulado.

Certamente seria uma análise prematura da minha parte  comentar sobre os futuros caminhos possíveis ou quais serão as conquistas dessas manifestações (tenho esperança que haverá!). No entanto, é de se esperar certas contradições em como nos sentimos e em como as manifestações acontecem, afinal é uma marca indelével nos seres humanos. Cabe, no entanto, cogitar por um momento a pertinência da Fé Cristã com esse estardalhaço que tomou as ruas em um país rico, mas com muitos pobres.

É necessário, em primeiro lugar, “buscar o Reino de Deus e sua justiça” (Mateus 6, 33). Um dos textos clássicos, A República de Platão, a primeira pergunta para imaginar uma sociedade ideal ou correta é: o que é justiça? Trata-se de uma das primeiras perguntas que devemos fazer para uma reflexão social. Círculos jurídicos e filosóficos têm interminavelmente debatido sobre a natureza da justiça. Os antigos definiram justiça como dar aos outros o que lhes é devido. Teorias modernas se aproximam mais dos conceitos de equidade e igualdade. A questão trata-se essencialmente sobre qual a forma em que entendemos a nossa relação com os outros. Já que todos somos criados por Deus e carentes da redenção de Cristo.

Como justiça requer que busquemos o bem dos outros, precisamos, em segundo lugar, nos sensibilizar com o próximo. Talvez o outro lado da moeda da justiça seja a misericórdia. Com efeito, George MacDonald coloca essa contradição muito bem: “Aqueles que dizem que a justiça significa a punição do pecado, e a misericórdia a não punição do pecado, e lhes atribuem tanto a Deus, faria um cisma na própria ideia de Deus.” Misericórdia é clemência não merecida, a mesma que nos libertou do pecado e nos reconciliou com Deus e temos que praticar com o próximo. Na parábola do bom samaritano, Jesus pergunta ao especialista em leis quais dos homens havia sido o próximo ao necessitado, a resposta é invariável: “Aquele que praticou misericórdia para com ele” (Lucas 10, 37).

Precisamos ajudar ao próximo, ou melhor, o que nós como cristãos, fazemos para se tornar próximo do outro? Lembremos que somos finitos e que não podemos ir a todos os lugares ou apoiar todas causas dignas. Mas, como disse C.S. Lewis, “necessidades reais não estão longe de nós”.

Por fim, não devemos perder de vista que a revolução permanente é em Cristo. Alguns reagiram às manifestações dizendo que “não bastam os protestos” (pois é preciso evangelizar) enquanto outros disseram que “protestos não levam a nada” (pois não é evangelizar). De certa forma compreendo – as manifestações poderão ser um momento histórico e político nesse país, mas não serão a solução completa. Mesmo em um mundo com muita igualdade e justiça será necessário a mensagem de Cristo. No entanto, podemos no mínimo nos identificar com as manifestações. Elas podem sinalizar um despertar, um clamor por justiça, um desejo para corrigir algo que está muito errado nesse mundo. Podemos e devemos nos sensibilizar e participar dessas angústias. Onde houver uma relação de opressão haverá motivos para amarmos ao próximo. Devemos amar os desesperados, os oprimidos e os opressores, isto é, os trabalhadores que não aguentam mais uma tarifa excessiva de transporte público, governantes e as empresas, que não saibam como ou que não tenham vontade de resolver.

Lembremos que no Reino de Deus todos têm dons. A Igreja não é um lugar onde dividimos entre quem sabe ou não sabe, quem pode ou não pode. Todos os cristãos, de alguma forma, podem ajudar nas aflições e anseios em que o país está passando. Vamos iluminar a cidade, sendo nas universidades, escolas, trabalho e também nas ruas! E escutemos o que Deus está gritando nas ruas!

“Coragem é quase uma contradição. Significa ter um forte desejo de viver tomando a forma de uma prontidão para morrer”
. G.K. Chesterton

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