Muitos esperavam pela Copa das Confederações, mas poucos imaginavam o quanto o Brasil sairia da rotina nesse mês de junho, com manifestações de rua tomando proporções inimagináveis em todo o país. Um pouco menos extraordinário, mas de natureza semelhante, é a onda de greves nas UNESPs, que já caminha para seu segundo mês. Esses assuntos políticos que atingem o mundo estudantil devem fazer o estudante cristão questionar, ‘o que fazer diante disso?’ O que devemos pensar disso tudo, e como devemos agir e reagir?
Muitas vezes nós cristãos temos sido culpados de nos ausentar nessas horas, como se o cenário político nada tivesse a ver com nossa fé. Eu mesmo diria que já fui culpado disso, embora como estrangeiro no Brasil talvez não convenha eu ficar palpitando demais!
Mas o fato é que como cristãos, devemos nos envolver em todas as coisas, inclusive na política. Jesus Cristo é o Criador, o Sustentador, o Redentor e o Juiz de todas as coisas. Então não têm razão aqueles que dizem que política e fé cristã não têm nada a ver um com o outro.
Devemos nos envolver na política sim. A grande questão é como. Quem lê a Bíblia e busca obedecê-la não encontrará respostas simples para suas perguntas políticas. (Nem a democracia é prescrita na Bíblia!) Também, não devemos achar que é principalmente por meio das estruturas de poder humano que virá o reino de Deus, embora seja evidente que as autoridades civis têm o potencial de governar de maneiras que promovem e/ou solapam os valores do Reino. São assuntos complexos que demandam do cristão estudo, reflexão e discernimento.
Mas creio que podemos reafirmar alguns princípios norteadores para essa conversa, e é isso que procuro fazer agora.
Como deve a comunidade cristã se envolver em assuntos políticos?
1. Sabendo no que dá para discordar, e no que não dá.
Nas nossas discussões sobre política, é normal haver entre os cristãos divergências de opinião a respeito de questões sobre as quais nos importamos grandemente. O resultado ‘natural’ disso é o conflito e a divisão. Mas essa divisão fere nosso testemunho. Ela não é da vontade de Deus. Assim, é importante aprender a discordar uns dos outros de uma maneira saudável: sabendo quais são os assuntos que definem e fundamentam nossa unidade, e quais não são.
Na ABU, essa questão é claramente definida pelas nossas bases de fé – doze afirmações sobre as verdades essenciais da fé cristã, artigos que a Bíblia ensina claramente e que eu como assessor da ABU não tenho liberdade para rejeitar ou menosprezar. Aliás, a ABU requer que todo líder dentro do movimento assine as bases de fé ao ser eleito para o cargo. Estes doze artigos definem o que queremos dizer com ‘Evangelho’ e representam o ‘bastão da fé’ que carregamos para ser entregue à próxima geração. Não dá para discordar das bases de fé e ainda se chamar de ABUense. Não temos liberdade para fazer isso.
As bases de fé são questões de importância primária. Mas costumo dizer que aquilo que não está na lista é tão importante quanto! Isto é, naquilo que não está prescrito pelas bases de fé, dá para discordar uns dos outros. Podemos até dizer que o ABUense é obrigado a ser conservador e liberal ao mesmo tempo:Conservador no sentido de lutar pela conservação daquilo que define nossa fé – de amá-lo, valorizá-lo e defendê-lo – e liberal no sentido de lutar pelo direito do irmão de discordar da maioria sobre outras questões, questões de importância secundária.
É aqui nessa categoria que entram os assuntos políticos. Por mais que possamos considerá-los importantes, eles são questões de importância secundária. Nessas coisas seu irmão ABUense pode discordar de você (ele pode até ser contra a democracia!); e ainda assim, será seu irmão.
É isso que chamamos de ‘unidade na diversidade’. Temos que aprender a discordar uns dos outros e ainda assim manter nossa união, amando uns aos outros. Aquilo que nos une é muito mais importante.
2. Conhecendo os limites da nossa atuação política.
Uma das consequências do ponto 1 é que muito dificilmente convém ao grupo de ABU se posicionar como grupoem assuntos de cunho político. É totalmente legítimo que, embora a maioria tenha uma opinião, outros membros do grupo pensem diferentemente ou preferem se abster. Eles não são ‘menos ABUense’ por isso, nem representam menos o movimento. Por isso, embora individualmente cada um pode e deve ter sua opinião, não devemos fazer declarações institucionais a favor ou contra a greve na nossa faculdade, por exemplo.
3. Confiando em Deus
Essa orientação (ponto 2) pode parecer decepcionante, especialmente para aqueles que crêem ardentemente em uma determinada causa política e querem ver o grupo de ABU engajando todo seu ‘peso’ político naquela causa. Mas precisamos lembrar que, sendo nós pecadores, não é pela força do homem que se faz a justiça. A justiça é obra de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Sendo assim, parte essencial da nossa tarefa é atentar-nos às orientações do seu Espírito, sobretudo aquilo que Ele fala hoje por meio da Bíblia. E dentre elas, descobrimos o quanto vale nossa união em Cristo, a qual – de acordo com a Bíblia – é um dos meios que Deus usa para revelar as Boas Novas de seu Filho, a ‘semente’ que trará uma colheita de justiça. Portanto, novamente digo: Não coloque em risco a ‘unidade na diversidade’ do seu grupo de ABU por causa de uma agenda política. Fazendo isso vocês se opõem à obra de Deus.
Confiar em Deus implica em obedecê-Lo nas ‘estratégias’ que Ele nos revelou. Mas também significa orar. Acho que foi Calvino quem disse que a oração é o exercício principal da fé. Essa frase ajuda-nos a ver que é um contrassenso dizer que somos cristãos e que nos importamos ardentemente pela política se não somos dedicados à oração pelos assuntos da política. Devemos ter a oração como uma agenda constante – por justiça e paz em nossas universidades e na sociedade toda; pelos nossos líderes, para que temam a Deus e ajam em prol do bem; e para que, em tudo, venha o Reino de Deus.
O grupo de ABU que se preocupa com a política (como todos devem) precisa caminhar de joelhos.
4. Exercendo plenamente seu papel de sal e luz
Expliquei acima que como grupo de ABU não devemos empenhar-nos a apoiar nem se opor a determinadas causas políticas. Entretanto, nossos membros podem sim se envolver nos processos – participar de discussões e se possível de decisões – trazendo um ponto de vista evangelical (moldado pelo Evangelho). Isso é bom não só visando as possíveis consequências (de conseguir o resultado que procuramos) mas também pelo nosso testemunho e influência, pois faz parte da nossa vocação de ser ‘sal e luz’ neste mundo.
Portanto não devemos nos ausentar quando o assunto é greve; devemos procurar entender o que se passa em nossa faculdade, e pedir a sabedoria de Deus para agir de uma maneira coerente com a fé que professamos.
Para cumprirmos bem esse papel, o Cristão precisa se dedicar à tarefa que John Stott chamou de ‘dupla audição’:Temos que ser estudantes diligentes da Bíblia e também do mundo. O grupo de ABU que faz isso com integridade e criatividade é o que consegue impactar o mundo estudantil, a igreja e a sociedade, para a glória de Cristo (segundo a visão da ABUB). É um trabalho desafiador, e não existem atalhos. Mas vale muito a pena.
Por que será que não temos mais grupos de ABU abraçando esse chamado de forma madura? Trago duas possíveis respostas, e duas propostas.
A primeira resposta é aquela que ouvimos de duas formas, dependendo de quem é a voz dentro do nosso grupo de ABU: ‘Mas o pessoal que se envolve na política parece que não lê a Bíblia!’ E ‘Aquela turma só estuda a Bíblia e fala de teologia mas eles não dão a mínima para a sociedade!’ Acho que há razão nos dois lados. Tem gente em nossos grupos de ABU que ama muito a Bíblia e cresce muito no entendimento teológico, mas negligencia os assuntos da atualidade e perde a chance de conectar sua teologia com a realidade; há também gente cujo dedo está no pulso da sociedade mas cuja influência falha por falta de uma cosmovisão cristã madura.
Sei qual desequilíbrio tem sido minha tendência. Quero te desafiar a considerar qual tem sido a sua. Você que é amante da Palavra, leve a sério o que acontece ao seu redor! Você que se preocupa pelos assuntos políticos, preocupe-se também pelo que Deus está dizendo!
A segunda resposta é mais genérica: ‘dá muito trabalho, e só tenho 24 horas no dia!’ Ser um dedicado estudante da Bíblia e de todas as esferas da sociedade humana?! [Pois é isso que estaríamos dizendo, não é só política.] E ao mesmo tempo cumprir os requisitos da graduação?! Impossível!
É verdade, é impossível. Mas aqui novamente veremos a beleza do corpo de Cristo, da família unida. Pois enquanto todos são chamados para se preocupar e se interessar por tudo, também tem o aspecto subjetivo, pelo qual cada um tem uma vocação individual, a se envolver numa área em especial.
Não conseguimos nos envolver a fundo em tudo o que acontece. Então que tal formarmos dentre nossos grupos de ABU sub-grupos que se dedicam especialmente a determinadas áreas? Um deles pode ser um grupo que discute a política, juntando tanto sociólogos quanto teólogos; alguns grupos da nossa região já têm tais grupos. Além de se encontrar para discutir greves e manifestações à luz da Bíblia, um tal grupo pode servir a todo o grupo de ABU trazendo informação e orientação, e assim possibilitando que todos os membros cresçam e participem positivamente no cenário atual.
Espero que estas orientações sirvam como base para nós como ABU SP/MS em meio às circunstâncias atuais.Para desenvolver um pensamento mais maduro sobre a questão geral da política, recomendo primeiro o capítulo 7 do livro ‘Cristo é o Senhor’ (Dionísio Pape; ABU Editora), que aliás é leitura prévia para o CF2013. Para ir mais além no assunto, sugiro ‘Cristianismo e Política’ (Robinson Cavalcanti; Editora Ultimato). Quanto às manifestações especificamente, pessoalmente achei especialmente úteis estes dois artigos.
Fraternalmente em Cristo,
Phil Rout
Assessor – ABU SP/MS