Pranto, Denúncia, Esperança: um olhar sobre a saúde pública

Por Jequélie Cássia, graduada em medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde participou da ABU, faz residência médica em Infectologia, no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.

 

“Eis que eu trarei a ela saúde e cura, e os sararei, e lhes manifestarei abundância de paz e de verdade” (Jeremias 33:6)

 

Nunca se falou tanto sobre a saúde pública brasileira. Nem durante os anos de universidade presenciei embates tão intensos como os dos últimos meses.  O tom ofensivo e pouco propositivo das discussões me causou tristeza e desânimo, mas notar que governo e sociedade reconheceram publicamente que a saúde brasileira está doente renovou-me a esperança.

Uma das principais reivindicações das manifestações de junho foi um “Sistema Único de Saúde (SUS) público e de qualidade”. Em julho, o governo federal lançou o programa Mais Médicos, uma “convocação de médicos para atuar na atenção básica de periferias de grandes cidades e municípios do interior do país”. Esta proposta gerou manifestações calorosas em vários setores da sociedade: as entidades médicas manifestaram-se contrárias às medidas do governo, expondo como justificativa a inadequada estrutura de trabalho, a precariedade dos hospitais, a falta de materiais e a ausência de incentivo à fixação de profissionais médicos no interior, demonstrando hostilidade para com aqueles (muitos deles médicos estrangeiros) se dispuseram a ocupar as vagas oferecidas.

De outro lado, a esquerda e representantes da sociedade em geral celebraram o programa e  acusaram os demais médicos de serem elitistas, corporativistas e mercenários, além de negligentes com a população do interior e que não só se recusam a atendê-los como se opunham àqueles que aceitaram a tarefa.

Em meio à confusão de vozes, fui remetida ao profeta Jeremias. Eugene Peterson, no livro Ânimo, o descreve como um modelo de bondade, aquela bondade que “não surge apenas de boas intenções. Boas intenções são inúteis quando não vêm acompanhadas de um caráter maduro”.

Como então responder a tudo isso à semelhança de Jeremias? De acordo com Peterson, envolver-se como Jeremias “consiste em tentar descobrir a identidade de quem está por trás das vozes e familiarizar-se com o contexto no qual as palavras estão sendo proferidas”.

Na medicina, para entender a doença, diagnosticar e remediar é fundamental conhecer a história da doença e do paciente. Assim também, é necessário nos debruçarmos sobre a história do SUS.

O SUS foi criado há 25 anos por ocasião da promulgação da atual Constituição Federal. Ele é resultado de anos de luta até que o Estado reconhecesse a saúde como um dever seu e direito do cidadão. Desde então o SUS trouxe mudanças positivas como a cobertura universal da vacinação, ampla assistência pré-natal, distribuição gratuita de medicamentos, entre outras. Leia mais sobre A História do SUS

 

O problema e a solução

É consenso entre os gestores de todas as esferas do SUS que a categoria dos médicos é a mais difícil de prover serviços públicos de saúde e uma pesquisa recente aponta para a falta destes profissionais. Não que este seja o diagnóstico da doença do SUS, mas é um sintoma crônico.

Através do programa Mais Médicos o governo federal comprometeu-se a enviar médicos a locais onde não há assistência. Recentemente, não sem protestos, chegaram ao Brasil médicos vindos de Cuba. Isto, a meu ver, é um motivo de celebração por vários motivos: é a resposta – ainda que emergencial – a um problema crônico, e a um apelo popular; é um indicativo de que voltamos nossos olhos para uma população até então negligenciada e invisível; porque a presença de médicos formados em Cuba traz à tona o debate sobre a formação e a construção de políticas públicas de saúde, discussão antes restrita aos estudiosos da área e pouco conhecido da sociedade, incluindo os próprios profissionais da saúde. Leia mais sobre Saúde: Brasil versus Cuba

 

Um movimento pela reforma na saúde

Os movimentos sociais defensores da Reforma Sanitária continuam reivindicando mudanças no paradigma da saúde. Um grupo tem dialogado com o governo federal para que as prerrogativas da Constituição Federal sejam colocadas em prática, e exigindo aumento do financiamento do SUS, uma vez que a verba que deveria ser investida na saúde tem sido usada para pagar dívida ou ido para a saúde privada.

A Emenda Constitucional 29 tem justamente o objetivo de corrigir esse desvio de verba, contudo, sucessivamente, o governo vem se mostrando contrário às propostas de fortalecimento do SUS e ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular conhecido como Saúde + 10, assinado por 2,2 milhões de pessoas e aprovado na Câmara dos Deputados. O PL reivindica que 10% das receitas brutas da União sejam investidas na Saúde.

O desafio é imenso! Que esse incômodo seja motivação para continuarmos denunciando a política da desigualdade. De acordo com Ricardo Wesley, missionário da ABU no Uruguai, quando se trata de luta por mudanças na sociedade, “a tarefa principal não se dará em dias de empolgantes e dramáticas saídas às ruas. Será algo mais entediante, difícil, tortuoso, no árduo caminho do compromisso e da participação em todos os níveis de uma sociedade organizada”. Leia mais sobre Saúde: luta e esperança

 

Possibilidades concretas de envolvimento

Ore pela saúde brasileira, governo, pacientes, profissionais de saúde (não apenas médicos). Aprendi na ABUB que a luta por justiça não é feita sem oração!

Informe-se sobre o contexto local e nacional. Conheça as reivindicações dos Fóruns Populares de Saúde e de movimentos da Reforma Sanitária (Cebes Abrasco). Divulgue e apoie campanhas de iniciativa popular (ex: o Saúde + 10).

Conheça os serviços públicos de saúde do seu município, especialmente as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Converse com profissionais de saúde, entenda as dificuldades e envolva-se com denúncias e propostas.

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