Como ciência humana a História desde o início me fez questionar se é possível conciliar ciência e fé, o que me levou a duvidar se a própria ciência poderia explicar tudo.
Historicamente, a fé e a religião não foram inimigas, mas, profundamente relacionadas. Basta olhar para a cosmovisão cristã medieval que proveu uma fonte de recursos materiais para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. As conquistas posteriores da Revolução Científica não foram os resultados de “uma erupção do pensamento secular,” mas antes eram o culminar de muitos séculos de progresso sistemático por escolásticos medievais, sustentadas exclusivamente pela invenção cristã do século XII, as universidades.
A própria ascensão da ciência no Ocidente é única na história do mundo e não via problemas nenhum em harmonizar a crença religiosa com o desenvolvimento ciêntifico. De fato, foi a própria confiança na razão e no progresso que estava firmemente enraizada na teologia cristã, na crença de que Deus é o criador de um universo racional, que forneceu as bases para a ciência moderna.
O problema atual de uma aparente guerra entre ciência e crenças está na própria dificuldade de compreender os limites e particularidades de cada campo, entender a cosmovisão que guia os indivíduos. Por um lado, a ciência explica, mas ela não explica tudo. Ela não é a única fonte da verdade, como alguns alegam. Para citar alguns casos, a filosofia, a literatura, a arte e a música situam-se fora do escopo da ciência.
Como a ciência pode dizer se um poema é bom ou ruim, se uma obra de arte é bonita ou feia, se uma música é obra de um gênio ou se é um monte de barulho? Por outro lado, a fé não é algo irracional. Uma fé bem alicerçada será baseada em evidências e sinais históricos e no questionamento da própria maneira de se acreditar.
Quando olhamos para o passado, como podemos explicar que os cinco grandes da ciência, Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes e Newton, eram todos cristãos e não pensavam que suas pesquisas minassem a fé cristã? Apesar dessa harmonia, claro que houveram discordâncias – apesar de não terem sido no grau que normalmente é apontado. Na atualidade, com a crítica pós-moderna e mesmo os novos ateus, o abismo entre fé e crença parece instransponível, mas isso tende a ser muito mais um debate em torno de cosmovisões diferentes, carregados por indivíduos, do que uma real separação.
O que quero dizer com cosmovisão? Esse termo, importantíssimo para analisar o mundo ao nosso redor, aponta para a ideia de uma noção de mundo, uma perspectiva sobre a Realidade. E o método ciêntifico não se propõe a criar uma noção de mundo, mas sim a observar e a teorizar, trazendo declarações sobre a realidade natural e material. Assim, a ciência é incapaz de tratar de assuntos como a existência de Deus ou dos milagres; não é seu objetivo epistemológico.
Portanto, não há conflito entre ciência e teísmo, o que há é uma extrema valorização do método ciêntifico no senso comum e um preconceito com formas de pensamento religioso. Teístas como o responsável pelo projeto Genoma, Francis Collins, estão aí para desmentir este mito.
Luiz Adriano Borges é doutor em História pela Universidade Federal do Paraná e assessor auxiliar da ABU (Aliança Bíblica Universitária) Curitiba.