Passar o bastão com sabedoria: cinco sugestões

Por Jessica Grant

Imagine que, alguns anos depois de seu envolvimento na Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) durante a universidade e em alguns projetos, fazem um convite para que você participe da eleição da Diretoria Nacional. Depois de aceitar e da eleição em si, você se torna 2ª vice-presidente! Ainda se acostumando com o cargo, as funções e a situação atual da organização, você sente que cada reunião é um grande aprendizado.

Mas, no seu primeiro encontro com todo o movimento, o presidente lhe chama para conversar: “Entendo que meu tempo na Diretoria está se encerrando, preciso dar espaço para novas pessoas. Vou terminar meu mandato, e penso que quando acabar você deve ser a pessoa a assumir a presidência”. Como você reagiria? Essa é a história de Raquel Bergária, a atual diretora presidente da ABUB. Depois de atuar como vice desde 2008, ela assumiu a presidência em 2012, quando José Miranda Filho deixou seu cargo. Miranda participava da Diretoria Nacional desde 1986. Sabe como Raquel reagiu? Ela se dispôs em oração, na confiança da soberania de Deus.

A Diretoria Nacional é um órgão constituinte da ABUB cujos participantes são eleitos na Assembleia Geral de acordo com nosso Estatuto. Ela faz parte da governança da ABUB e toma decisões importantes para nossa missão. Seus participantes não trabalham como obreiros, mas são profissionais e estudantes que servem em tempo voluntário. Na ABUB, as regiões também possuem diretorias, bem como cada grupo local filiado deve ter uma. São responsáveis pelo desenvolvimento, organização e gestão da missão, cada um a seu nível. Com tanta gente participando da ABUB, é essencial que haja boas transições de cargos para dar continuidade ao trabalho. Nos grupos locais e regionais, as mudanças são rápidas devido ao ciclo estudantil, e assim que um líder assume já deve ter em mente o processo de “passar o bastão”. Por isso separamos aqui algumas dicas a partir da história de Miranda e Raquel, além de outros abeuenses que tiveram boas experiências.


1) Comece pelo começo: oração



No livro de Atos dos Apóstolos vemos a igreja reunida e orando pelas lideranças. Logo no início, oram pela escolha do discípulo que seria parte dos doze após a traição de Judas: “Depois oraram: ‘Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos qual destes dois tens escolhido'” (Atos 1:24, NVI). Outro exemplo é quando a igreja de Antioquia em oração ouviu a voz de Deus para enviar dois de seus líderes para a obra missionária (Atos 13:2-3). Da mesma forma, devemos interceder pelas nossas lideranças e para que Deus levante aqueles que ele preparou. De acordo com os abeuenses Joubert e Márcio, a oração é importante nas transições porque reconhece que a obra não é nossa, mas de Deus.
Foi orando que Joubert Oliveira Costa encontrou pessoas para lhe substituir quando era líder da Aliança Bíblica de Secundaristas (ABS) de Juiz de Fora (MG), entre 2013 e 2014. O estudante estava no 3º ano do Ensino Médio e praticamente sozinho:


“Passei as férias inteiras orando para que Deus levantasse e despertasse outros estudantes para se envolverem com essa missão e darem continuidade. No início das aulas, com o apoio das meninas que haviam saído, distribuímos marca-páginas com o horário e local do encontro em todas as salas da escola. Quando começamos a nos reunir, os estudantes cristãos que estavam desanimados passaram a ir e se envolveram, e mais dois estudantes do 1° ano nos procuraram. Eles liderariam a ABS pelos próximos três anos. Foi um resposta de oração. [Foi] muito claro que Deus estava no controle de todas as coisas, e que essa obra era dele.”


Márcio Camargo Filho, da ABU Itabira e Itajubá (MG), contou que quando estava participando da transição de seu grupo local ninguém queria ser candidato. O grupo orou bastante e divulgou a importância de ter uma diretoria. “Pedimos para Deus levantar pessoas, e aquelas que mal pensávamos que poderiam se candidatar surgiram.” O resultado foi uma diretoria firme que fortaleceu as atividades. (Na foto acima, a diretoria regional de Minas Gerais no período em que Márcio atuou nela.)

Para nosso ex-presidente José Miranda Filho a oração é importante para que a liderança mantenha-se centrada em Deus: “Eu diria que uma liderança dirigida pelo Espírito é mais importante para a missão do que aspectos operacionais. Tempo, finanças, capacitação etc. são importantes e devemos orar por isso. [Mas] uma liderança firme no Senhor é muito mais importante. Oração pela liderança é fundamental”.

2) Construa relacionamentos sinceros…

Quando Joubert se formou na escola, passou a participar da Aliança Bíblica Universitária (ABU) também de Juiz de Fora (MG). Em 2015, foi eleito presidente do grupo e Lizandra Resende de Souza, sua amiga desde a época da ABS, tornou-se vice. Lizandra assumiu a presidência depois, em 2016, com Leandra Alves como sua vice – que foi presidente em 2017.
A suavidade das transições entre os três se deu em grande parte por causa da relação que tinham. Lizandra e Joubert eram bons amigos, mas, mais do que a amizade, foi a sinceridade do relacionamento e a disposição em um ajudar o outro que colaborou. “Durante a presidência de Joubert, eu sempre estava por dentro de como ele exercia a liderança, e por sermos amigos, ele continuou me apoiando e por vezes me aconselhando”, conta Lizandra, que fez o mesmo com Leandra. Enquanto presidente, buscou tomar as decisões sempre que possível de forma compartilhada, e o diálogo era transparente.
“[A sinceridade da relação] proporcionou liberdade para compartilharmos as questões da presidência, do movimento, permitiu abertura para questionarmos juntos nossas posturas e decisões nos cargos. Não conseguiria exercer um cargo que considerava tão importante, por implicar numa enorme responsabilidade, sem estar ao lado de alguém com quem pudesse ser sincera para expor meus pensamentos e sentimentos.”

Citando João 4:20 (“Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”, NVI), Lizandra destaca o amor cristão: “Não fazemos nada sozinhos, e a vida cristã é para ser vivida em comunidade e em amor uns pelos outros. Não tenho como fazer missão e nem mesmo posso adorar a Deus sozinha. Jesus resume os mandamentos em amor a Deus e ao próximo, então, mais importante que o serviço que queremos oferecer a Deus, e bem mais importante que os eventos e núcleos que queremos realizar, é meu amor e cuidado pelo próximo”.

Raquel Bergária cita algo semelhante: “Tem um princípio do Reino de Deus que eu posso experimentar trabalhando na ABUB em diferentes instâncias: o princípio do amor cristão, que é melhor dar do que receber”. (Na foto acima, o grupo da ABU Governador Valadares (MG) num Conselho Regional.)

3) …e mantenha diálogo constante e aberto

Márcio Camargo Filho e Matheus Ferré Ignacio também viveram algo parecido. Ambos eram amigos da faculdade e no grupo local da ABU Itabira, e continuaram próximos na diretoria regional de Minas Gerais quando Márcio foi presidente entre 2014 e 2015 e Matheus seu vice, assumindo em seguida a presidência até 2016 (a diretoria é esta da foto acima).
A honestidade de seu relacionamento facilitou a transição, bem como a proximidade que tinham. “Foi um processo muito natural, acho que foi bom porque tínhamos liberdade para falar absolutamente tudo, para criticar algumas coisas que um ou outro fez, para dar ideias e para colaborar. Fez a gente ficar muito livre de conversar um com o outro e falar a real”, conta Márcio.

Matheus aponta que o diálogo aberto também era constante: ” Fazíamos reuniões e conversas semanais não só para falar da missão, mas conversas de compartilhar da vida de modo geral e orar um pelo outro. Além do mais, sempre era perguntada minha opinião e o processo de decisões por parte da presidência era consensual”.
“Quando estamos em posição de liderança temos a tendência de guardar e enfrentar as situações sozinhos, mostrar força etc. Mas o principal para esse processo ter sido tão bom, foi mostrar realmente quem éramos uns para os outros (aqui incluo a diretoria toda), de compartilhar as dificuldades, de mostrar nossas fraquezas.”

“Agora pedimos a vocês, irmãos, que tenham consideração para com os que se esforçam no trabalho entre vocês, que os lideram no Senhor e os aconselham. Tenham-nos na mais alta estima, com amor, por causa do trabalho deles. Vivam em paz uns com os outros.” (1 Tessalonicenses 5:12-13)

4) Acompanhe os próximos líderes e prepare a transição

Num dos maiores grupos locais que temos, a ABU Seropédica (RJ) – estes da foto acima –, a coordenação é dividida entre duas pessoas. Lucas Santiago e Esdras de Souza compartilharam a liderança entre 2015 e 2017, quando passaram o bastão para Leticia de Araújo Teixeira e Matheus Santos Cunha. O grupo foi um exemplo de organização da transição. Esdras compartilha:
“Logo que percebemos que era o momento de uma sucessão, já começamos pedindo a orientação de Deus em oração para a escolha dos novos coordenadores. E como resposta também entendemos que passar o bastão é um processo que envolve dedicação. Sendo assim, seria necessário que ainda tivéssemos um tempo na universidade para acompanhar os novos [coordenadores], passando para eles tudo o que aprendemos, resolvendo suas dúvidas e os incentivando com palavras de bom ânimo. Foi ótimo! O acompanhamento com os novos coordenadores foi essencial e de muito aprendizado até mesmo para nós.”

A preocupação não envolveu apenas os novos líderes, mas também os liderados: “Tomamos o cuidado para que tanto os estudantes que compõem a diretoria quanto os demais integrantes do grupo local passassem a reconhecer que a partir daquele momento os novos coordenadores não seriam mais Lucas e Esdras, mas Leticia e Matheus, que seriam eles quem responderiam por todas as decisões e responsabilidades. Seria um processo que envolveria não só quatro pessoas, mas todo um grupo.” Leticia testemunha que processo foi bem tranquilo: “Durante todo um semestre fui acompanhada e preparada. Foi bom porque tive acompanhamento dos antigos coordenadores antes e depois de assumir”.

E, assim como com Joubert, Lizandra e Leandra, um bom processo de transição inspira outro em seguida: Leticia já tem orado pelos próximos coordenadores e acompanha as possíveis pessoas. “Estou tentando fazer o mesmo que fizeram comigo.” Esdras explica esse cuidado: “Durante dois anos na coordenação aprendemos muitas coisas! Tal conhecimento não poderia ser desperdiçado e ir embora conosco. Acredito que quando uma transição é bem feita, existe uma continuidade do trabalho. Existe uma base maior para que o grupo não só permaneça, como também amadureça e cresça”. A continuidade foi o que preocupou Cássia de Oliveira, atualmente assessora de administração da ABUB e presidente da ABU Governador Valadares (MG) entre 2007 e 2008. Sem ter um processo sistematizado e num grupo bem menor, sua transição levou em conta os participantes da ABU que tinham comprometimento e alguns anos pela frente até se formarem. A preocupação era que o grupo não se desestruturasse, como havia acontecido antes: “Conversamos com uma estudante e a preparamos para que se dispusesse a assumir a presidência na próxima eleição. (…) [Colaborou] o fato de termos uma diretoria pequena, mas de pessoas comprometidas. O grupo não tinha muitas iniciativas, mas conseguíamos manter os núcleos de estudo bíblico em funcionamento”.

5) Busque disposição e serviço

Lembra da história lá do começo, da nossa atual presidente? Raquel Bergária conta que, depois da conversa em que José Miranda Filho contou que lhe via como a próxima presidente, ela guardou o assunto em seu coração. Miranda apenas explicou que tinha essa convicção, mas que esperariam para ver como Deus confirmasse. Pouco depois Miranda precisou de uma licença da Diretoria Nacional por motivo de saúde, e Raquel pode exercer em algumas reuniões a presidência. “Entendo hoje que essa foi uma grande preparação. Para poder ter a oportunidade de exercer a função, assumir a responsabilidade, experimentar na prática. Eu era muito insegura, mas éramos uma diretoria muito boa e contei muito com o apoio de todos como equipe.” Miranda também sentia que seria uma oportunidade para abrir espaço para uma nova liderança, o que de fato aconteceu.

O ex-presidente conta que não houve “treinamento” formal: “Raquel já estava conosco há anos e sabia razoavelmente do funcionamento dos processos. O que mais me preocupava, e o que compartilhei como ela, era a questão pastoral. Na ABUB a secretaria executiva é quem faz a coisa andar. Para o (ou a) presidente o principal papel, no meu entender, é de liderança e aspectos pastorais. São muitas as circunstâncias nas quais tem-se que administrar opiniões diferentes com potencial para conflito. (…) Acho que ela precisava mais era encorajamento. Não se achava pronta (eu também não me achava quando assumi), mas sei nunca estaremos realmente prontos. O importante é ver a necessidade, o chamado, a porta aberta, e a coragem de entrar pela porta.”
Raquel nos conta de sua perspectiva:

“Já perto das eleições, Miranda voltou para mim e disse que iria me indicar para presidência. Nesse momento ainda era um pouco difícil para mim me ver nessa posição. Mas eu disse: ‘Acredito em Deus, na soberania dele, sou serva dele, e eu me disponho, e o resultado que for da eleição para mim está bom. Vou confiar os resultados na mão de Deus’. É o mesmo para qualquer tipo de liderança cristã: ter disposição em servir, ter amor e compromisso. Na certeza de que o Senhor é quem faz a obra de transformação no mundo e nas pessoas, e nós somos convidados a participar dessa obra servindo com ele. E o mais bonito, além de vermos a transformação nos outros, é que nós mesmos somos transformados e abençoados.”
E conclui: “Não importa onde estamos e a quantidade de recursos que temos. Pode ser só cinco pães e dois peixes. Mas precisamos dispor tudo o que temos para o Senhor, isso é suficiente. No núcleo dentro da universidade, no grupo local, na diretoria regional ou nacional, na assessoria regional, do escritório ou da executiva, sempre os mesmos princípios: dispor o que nós somos, o que nós temos, nas mãos do Senhor e servir com amor e compromisso na certeza de que o Senhor é quem faz a obra. Se fizermos isso, acho que seremos bons líderes aos olhos do Senhor e seremos capazes de reconhecer e abrir espaço para novas lideranças e ajudar no processo de continuidade do movimento, em todas instâncias.”

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