Por Rakel Kaland Vestbostad e Sofie Moland*
Quando pensamos em mudar pra um país do outro lado do mundo durante seis meses criamos expectativas de como seria e o que iríamos experimentar. Uma coisa é certa: essas expectativas foram viradas de cabeça pra baixo e torcidas de formas que nunca imaginamos. Estamos no Brasil há seis meses e acho que é seguro dizer que não somos as mesmas pessoas que éramos quando chegamos no aeroporto de São Paulo, no dia 3 de outubro.
Somos intercambistas do Hald* e aqui no Brasil estamos trabalhando com a ABUB e alguns projetos sociais. Moramos com nossa mãe anfitriã em Juiz de Fora (MG) e voltaremos pra Noruega logo mais. Desde que viemos pro Brasil, aprendemos muito sobre nós mesmas, uma sobre a outra, sobre a cultura brasileira e norueguesa. Não menos importante, aprendemos sobre Deus e a maneira como ele trabalha em diferentes pessoas e em situações denossa vida cotidiana.
Uma das primeiras coisas que notamos nos brasileiros foi como eram calorosos e acolhedores. Foi realmente inspirador ver como todos que conhecemos abriram sua casa pra nós. Os noruegueses são conhecidos por serem “frios”, somos mais reservados com quem não conhecemos e preferimos ficar com família e amigos. Aqui, as pessoas apreciam os indivíduos de outra maneira – sem nem mesmo conhecê-los. Acreditamos que realmente vimos e sentimos o amor de Deus através de todas as pessoas incríveis que conhecemos. Também percebemos que aqueles que acabamos de conhecer estavam genuinamente interessados em nós, especialmente nas diferenças culturais entre o Brasil e a Noruega – talvez porque não há muitos estrangeiros em Juiz de Fora.
Como não estão muito acostumados com estrangeiros, a maioria dos brasileiros também não fala muito inglês. A linguagem foi um dos maiores desafios, principalmente nos primeiros meses. Realmente leva tempo pra aprender uma nova língua, mais tempo do que eu pensava, e pode ser muito frustrante não entender e não ser entendido pelos outros, dia após dia. Vivemos muito isso no primeiro mês, especialmente porque vivemos com uma senhora que não fala inglês. No entanto, não há muita coisa que supere a sensação de perceber que você finalmente entende o que outra pessoa diz e que é capaz de ter uma conversa com pessoas com as quais você não conseguia antes. Aprender uma nova língua ensina muito sobre paciência, e somos incrivelmente gratas por toda a paciência que aqueles à nossa volta tiveram conosco durante este processo.
Outra coisa que também é preciso conhecer (e leva tempo) é a cultura. O que se pode dizer e fazer e o que não pode? Diferenças culturais causam muita confusão e mal-entendidos, e você se acostuma bastante com a sensação de tentar e fracassar. Aprende-se como a comunicação é importante, a ser aberto e honesto e admitir quando você fez algo errado – mesmo que você não soubesse que era errado. Com sorte, aprendemos com nossos erros e a não nos levar muito a sério.
Aprendendo sobre a ABUB durante nosso trabalho com o grupo local da ABU Juiz de Fora crescemos em nossa fé e aprendemos muito sobre as diferenças acerca da fé na Noruega e no Brasil. No nosso ponto de vista, o Brasil é um país muito religioso. Nem todos são cristãos, mas a maioria das pessoas acredita em algum tipo de poder sobrenatural. Esta é uma grande diferença em relação à Noruega, onde a maioria das pessoas acredita apenas na ciência ou na própria espécie humana. Portanto, pode se tornar um grande desafio compartilhar sua fé lá. As pessoas vão perguntar como você pode ter fé em algo como o cristianismo, e muitos vão realmente crer que você é estúpido por acreditar em algo sobrenatural, que não pode ver. Costumávamos pensar que éramos ousadas e que falávamos abertamente sobre nossa fé. Mas aqui no Brasil aprendemos muito sobre evangelizar, e começamos a perceber que realmente falávamos sobre nossa fé só com nossos amigos cristãos.
A maneira que os estudantes se dedicam tanto a estudar a Bíblia também tem sido uma experiência nova. Aprendemos como é importante ler e estudar a Palavra de Deus, e foi ótimo sermos desafiadas a fazer nossos próprios estudos bíblicos e compartilhá-los com outras pessoas. Não só a Bíblia se torna mais interessante e mais fácil de entender, como você também obtém perspectivas de outros sobre diferentes coisas, e é desafiado a falar em voz alta sobre sua própria fé. O fato de não estarmos acostumados a falar abertamente é, provavelmente, uma mistura da fria cultura norueguesa e a má recepção que a fé cristã tem na nossa sociedade – o senso comum diz que você pode acreditar no que quiser, mas, por favor, não incomode os outros com isso.
Os estudos bíblicos me fizeram querer estar mais engajada em minha própria igreja, em casa, e talvez começar um pequeno grupo de estudos bíblicos com os outros jovens lá. Eu, Rakel, participei de alguns estudos bíblicos em acampamentos na Noruega, mas eu nunca fiz um antes do Brasil. Trabalhar na ABU também me fez querer convidar amigos não-cristãos pra estudar a Bíblia comigo, algo que eu nunca teria pensado antes. Estudar a Bíblia, como fizemos no Brasil, facilitou a visão de Deus e de seu trabalho em situações cotidianas, o que é muito legal.
Também é impressionante ver como os estudantes são tão dedicados à ABU, como assumem iniciativa e responsabilidade, e são treinados pra serem líderes em uma idade tão jovem. Na Noruega, estávamos acostumados a ser apenas ouvintes. Ouvimos pregações e devoções, mas nunca fomos desafiados a assumir essa responsabilidade. Às vezes é difícil, já que não temos muita experiência (e os outros na ABU têm) e não somos fluentes em português, mas na maioria das vezes é muito legal. Isso faz com que você se envolva de uma maneira totalmente diferente.
Em janeiro participamos do Instituto de Preparação de Líderes (IPL). Que experiência! O IPL estava cheio de programas e informações – tudo em português. Pra duas garotas começando a aprender o idioma, foi um pouco desafiador. Estávamos provavelmente ainda mais cansadas do que o resto dos estudantes por causa da língua, mas aprendemos a não nos envergonhar de falar errado, em vez disso apenas esperávamos o melhor. Durante a parte prática isso se acentuou, porque nem tínhamos uma a outra pra falar norueguês. No entanto, geralmente é quando você é empurrado pra fora de sua zona de conforto que você aprende mais.
Eu, Rakel, não acho que antes tenha aprendido tanto em tão pouco tempo quanto no IPL. A programação era apertada, mas também tão cuidadosamente e bem planejada, até cada pequeno detalhe; isso nos impressionou. Eu conduzi meus primeiros estudos bíblicos em português (mesmo que não fossem feitos por mim), conversamos em português na frente de todos e ouvimos pregações sobre temas profundos e importantes que nunca tínhamos realmente parado pra pensar sobre.
De todos esses pregadores e conversas, temos uma noção de quais tópicos são importantes pros brasileiros hoje em dia em comparação com o que é importante pros noruegueses. Temas como igualdade entre homens e mulheres, a comunidade LGBT e saúde mental foram levantados, todos ligados à fé cristã. Esses temas são bastante relevantes na Noruega atualmente, mas eu ainda não tinha pensado muito sobre isso antes do IPL. Também ter estudos bíblicos todos os dias durante duas semanas foi incrível, a Bíblia se torna cada vez mais interessante quanto mais estudamos. Em resumo, aprendemos muito, e os dias aqui nos fizeram começar a pensar e refletir mais sobre como vivemos nossas vidas como cristãs neste mundo.
Além de todo o aprendizado, o IPL é uma mistura louca de pessoas de todo o Brasil, e foi incrível ver todas as diferentes culturas se misturando, conectando e criando relacionamentos. Como o Brasil é um só país, não tínhamos pensado muito sobre haver diferenças culturais – todos falam a mesma língua, certo? Nossa experiência na IPL nos provou que estávamos erradas, conseguimos ver todas as diferentes tradições e sotaques em um só lugar, e foi bom ver como todos se orgulhavam de sua própria região. No entanto, apesar das diferenças, são todos do mesmo país e todos fazem parte da ABUB – o que faz deles uma grande família. Era bonito ver amor e a bondade que tinham um pelo outro, o respeito e a inclusão. Fizemos amigos de todo o Brasil e nos divertimos muito. Além dos assuntos sérios e reflexões, o IPL também é divertido – ficar na piscina, brincar e rir com novos e velhos amigos.
Fazer parte da ABU nos deu uma família que está espalhada por todo o Brasil e tivemos um tempo incrível e muito instrutivo.
*Rakel e Sofie são norueguesas, fizeram o curso na Hald International Center e estão como intercambistas na ABU Juiz de Fora (MG)