por Leonardo Agapito

Provavelmente você já deve ter passado ou ouvido algo do tipo “os EBIs na faculdade não estão funcionando”. Este texto é fruto de muitas conversas que tive nos últimos tempos com pessoas de diferentes grupos. Me ajudou a repensar nossa missão como ABU e espero que te ajude um pouco também.

Por força do hábito, quero seguir três perguntas para conduzir nosso raciocínio aqui:

1) o que é a missão da ABU?;

2) o que é método de evangelismo?;

3) qual o melhor método de evangelismo?

1 – O que é a missão da ABU?

Conforme está no nosso site, a visão da ABU é “Estudantes que formam comunidades de discípulos, transformados pelo Evangelho, e que impactem o mundo estudantil, a igreja e a sociedade para a glória de Cristo”. Esta frase é realmente muito profunda e completa. Somos estudantes. Um grupo restrito com um público alvo bastante específico. O grupo que formamos em nossa universidade é uma “comunidade de discípulos”, pessoas que apoiam umas as outras e que possuem um Mestre em comum. “Transformados pelo Evangelho”, temos assim uma base, um alicerce bem fundamentado resumido em tópicos que chamamos de “bases de fé” do movimento. “Que impactem o mundo estudantil, a igreja e a sociedade”, temos um dever, que não está restrito aos muros da universidade, embora seja lá onde tudo começa. Estamos a serviço da igreja também. Meus veteranos sempre diziam que a ABU não é uma igreja para pessoas que mudam de cidade, ela não tira de nós o dever de congregarmos em uma igreja local. Pelo contrário, nosso relacionamento se aprofunda, porque passamos a atuar nas áreas que ela não tem acesso, mas, que ao mesmo tempo, nós já estamos inseridos. Por fim, “para a glória de Cristo”. Temos um objetivo muito claro e tudo que fizermos deverá ter estampado este alvo.

Em nenhum momento, na história do movimento, foi dito que o dever da ABU é fazer Estudos Bíblicos Indutivos. Estranho, tem certeza? Oras, se te perguntassem o que é a ABU na sua faculdade, provavelmente você diria que “somos um grupo que realiza estudos bíblicos na faculdade”, ou algo parecido. Não somos. Não necessariamente. Com certeza você já pensou em outras coisas que poderiam ser feitas na universidade, que teriam impacto, com o objetivo de glorificar a Cristo, e que não envolva um estudo bíblico como costumamos fazer.

Até aqui, portanto, temos dois pontos importantes: 1) o EBI não está funcionando; 2) o EBI não é obrigatório na ABU. Bom, então só podemos concluir uma coisa: Parem as máquinas! Não faremos mais EBIs a partir de hoje!

2 – O que é método de evangelismo?

Se não faremos mais os EBIs, o que faremos então? Precisamos pensar qual será nosso novo instrumento de evangelismo. Antes disso, uma pergunta que poucas pessoas costumam se perguntar quando discutem métodos: “o que é um método? Para que ele serve?”. Se não soubermos o que queremos, não saberemos como escolher o melhor.

Um dia desses, eu estava estudando alguns documentos históricos, como a Confissão de Fé de Westminster e o breve catecismo, escritos com o objetivo de sistematizar, logo após as reformas protestantes do século XVI, o que era aquela tão falada fé reformada. Percebi algo que também está muito bem apresentado em nossas bases de fé: nós não fazemos nada bom. Se você ler com atenção nossas bases de fé, verá que uma delas diz respeito à ação do Espírito Santo, e enfatizo aqui, “no arrependimento, na regeneração e na santificação dos cristãos”. Basicamente, se fazemos algo de bom, é Deus, por meio de Seu Espírito, que está agindo através de nós.

Isso me levou a uma segunda conclusão, a de que não somos as melhores pessoas para cumprirem a missão de evangelizar. Pelo contrário, seria muito mais eficiente se Deus mandasse todos aqueles anjos que cantaram no nascimento de Jesus para fazerem um “louvorzão” e tudo estaria resolvido. Como duvidar de seres alados e brilhantes com boas vozes?

Bom, Deus, em sua onisciência já teria pensado nisso. A menos que… estranho, o objetivo de Deus ao nos enviar para evangelizar não seja apenas alcançar vidas. Deve haver alguma outra razão que levou Deus a nos escolher para isso.

Jesus, em João 17, faz uma oração ao final da última ceia e diz, o que para mim, são Suas Palavras mais bonitas. Sabendo o que estava para acontecer, sua preocupação se volta para seus discípulos amados. Não somente para aqueles que estavam ali, mas para aqueles que ainda viriam (v.20 – nós), tendo em vista unidade entre Pai, Filho e filhos.  A definição de missão dada por Jesus é “assim como Tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei” (v. 18). Meu coração sempre fica apertado ao ler esta passagem, mas destaco aqui o versículo 23:

“…a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.”

Paulo, quando escreve aos Colossenses (Cl 2.10) diz que em Cristo habita a plenitude e que nEle somos aperfeiçoados. O escritor de Hebreus, após apresentar a galeria dos heróis da fé, diz que aquelas pessoas haviam feito grandes coisas por meio da fé sem obter, contudo, a concretização, para que, sem nós, não fossem aperfeiçoados (Hb 11.40).

Com estas passagens, creio que a nossa missão se torne mais clara. Nós fomos enviados para que, em unidade com Cristo, sejamos aperfeiçoados!

Uma nova conclusão: um bom método é aquele que melhor cumpre o objetivo da missão. Nossa missão não é apenas alcançar vidas, mas sermos aperfeiçoados. Antes que alguém pense que isso é muito egoísmo. De forma alguma. Nossa missão é sim impactar vidas, mas isso deve ser feito de maneira que os cristãos também sejam edificados. Um evangelismo que não te aproxime de Deus não é evangelismo como Deus propôs.

3 – Qual o melhor método de evangelismo?

Bom, agora que sabemos para que devemos escolher um método, precisamos escolher um!

Pense no meio em que você está inserido. Olhe ao seu redor. O meio universitário é cheio de relativismos, um meio em que todo tipo de posicionamento é válido e as pessoas só têm uma certeza, a de que elas estão sempre certas. A liberdade de pensamento não é algo ruim, a livre expressão é importante inclusive para nós cristãos. Mas há sim uma intolerância, você pode ter o seu posicionamento, desde que nele caiba dizer que todos os outros posicionamentos também estão certos. Bizarro, isso é impossível. Agora pense no cristianismo, que condena todas as paixões e ações do homem caído. Se nós, cristãos, que tentamos ter uma vida segundo a Palavra de Deus, somos confrontados diariamente pelo modelo de Cristo, imagine aqueles que nunca nem leram a Bíblia. Todo ambiente será hostil a essa mensagem, mas encontramos aqui a razão da hostilidade na universidade: você não pode dizer que alguém está errado.

Um livro que gosto muito é “A missão cristã no mundo moderno”, do John Stott. Já na segunda metade do livro, Stott conta do evangelismo na Índia. Dividida por castas, os estrangeiros não tem valor algum. Não que missionários fossem extremamente perseguidos, eles sequer eram ouvidos. Um grupo decidiu então convidar todos que pudessem para reuniões, em suas casas, para conversarem e tomarem um chá (gosto compartilhado pelos missionários ingleses e pelas altas classes indianas). Em diálogos dos mais variados, os convidados expunham suas opiniões e visões, enquanto os missionários expunham as suas. Eram conversas bastante amistosas. Aos poucos, o Deus dos missionários começou a se mostrar interessante, digno de respeito, até que… em um daqueles encontros, um homem, de uma das maiores castas, o mais respeitado ali naquela reunião, se ajoelhou na frente de um dos missionários e disse “eu quero que você me mostre o seu Deus, quero que você seja o meu mestre”. Caramba, que moral para um estrangeiro! O que ele fez foi simplesmente compartilhar seu relacionamento com Deus e isso já foi o suficiente!

“O diálogo é um sinal de genuíno amor cristão, pois indica nossa decisão de libertar nossa mente dos preconceitos e caricaturas que alimentamos a respeito de outras pessoas; de nos esforçar por ouvir com seus ouvidos e olhar com seus olhos de tal forma que entendamos o que as impede de ouvir o evangelho e enxergar a Cristo e de simpatizar com elas em todas as suas dúvidas, temores e ‘dilemas’.” (John Stott)

Basicamente, nosso método deve ser resumido em duas palavras, humildade e sinceridade (ver 1Co 2.1-5). Se quisermos ser aperfeiçoados revelando nosso relacionamento com Deus, devemos admitir que também estamos em um processo. O diálogo, como propõe Stott, é uma demonstração disso. Não pense você que é só apontar o dedo na cara de alguém e mostrar os erros dessa pessoa para que ela perceba que precisa de Deus. Ela verá seus erros também para apontar. Mostre a ela o seu relacionamento com Deus e então ela mesma verá que também quer isso.

Esse método é difícil, porque só funcionará se realmente tivermos um relacionamento com Deus.

Se você é fraco e cheio de inseguranças, isso quer dizer que você está no caminho certo (conversaremos mais sobre isso em 2 Coríntios, no nosso CF). Só vemos as nossas fraquezas e inseguranças quando nos aproximamos da luz de Cristo. E a melhor parte? É assim mesmo que Deus quer que você se mostre, fraco e inseguro, em total dependência dEle. Que tal deixar Deus falar com você e com seus amigos? Que tal você, como disse Stott, compartilhar com eles todas as suas dúvidas, temores e dilemas? Que tal você mostrar a Bíblia e dizer “eu não faço ideia o que isso está dizendo, quer me ajudar?”.

A verdade é que hoje se pensa que o cristão é aquele que pode até ter problemas (ah, claro, é até bonito falar de perseguição), mas não pode ter dúvidas. Esquecemos que só Deus é onisciente. Quando vamos evangelizar, achamos que precisamos ter todas as respostas, quando o que Deus quer é que você tenha perguntas para que Ele te mostre as respostas nEle!

Caramba! Ler a Bíblia, fazer perguntas. Isso é familiar, não? Como foi que viemos parar aqui de novo? Concluímos que o EBI não servia e, de repente, cá estamos outra vez!

Mas perceba como a nossa estrutura estava viciada. Toda vez que alguém critica o modelo de EBI, percebo que esta pessoa critica aquele modelo de reunião cheio de pessoas que pensam saber tudo do texto porque já ouviram um sermão, mas, ao mesmo tempo, fingem não saber as respostas de perguntas babacas, brincando de debater “quem são os personagens”. Os EBIs são mal feitos e os cristãos, péssimos atores. É lógico que não vai dar certo! A verdade é que queremos fazer coisas grandes. Louvorzão, pantomima, panfletagem. É mais gostoso para o nosso ego. Lembre-se do que falamos antes, para esse tipo de coisa, melhor seria que Deus enviasse anjos, muito mais talentosos. Podemos até falar em línguas (nada contra) na universidade, mas ninguém está disposto a dialogar no dialeto local. Dispostos a ler a Bíblia, refletir pacientemente sobre cada elemento? Você deve estar cansado só de ler este texto (eu estaria também).

Pense bem nos seus EBIs. Você ora em particular antes de preparar um estudo e antes de iniciar a reunião? Quando alguém diz algo que você discorda no EBI, você fala como se tivesse o gabarito na mão? Você já compartilhou suas reais incertezas durante um EBI? Pense em cada parte, em cada palavra, em cada segundo da sua reunião. Há sinceridade? Há humildade?

Depois de mais de 50 anos, não foi à toa que o movimento chegou até este modelo, mas talvez ele não tenha sido transmitido como deveria. Antes de questionar o método e passarmos anos até cairmos no mesmo círculo deste artigo, vamos orar pelos nossos EBIs, pedindo sabedoria na preparação e na aplicação; pedindo por pessoas dispostas a compartilhar e ouvir; pedindo por corações sinceros e humildes diante da Palavra de Deus.

Texto por Leonardo Agapito, estudante de Direito na Unesp Franca, atual presidente da Região SP/MS da ABUB.